O tratado modificativo europeu, sobre o qual chegaram a acordo os 27 estados membros, não removeu as lacunas democráticas já identificadas no defunto tratado constitucional. Estaremos condenados a subjugar-nos à vontade do príncipe ou existirá algum meio de influenciar a decisão final?
O cidadão lambda que eu sou foi recentemente informado que os 27 governos europeus concordaram entre si um dito modificativo (conhecido entre nós como simplificado). Este será ratificado pela França antes do final de Dezembro por via parlamentar. Não tendo conhecimento do texto até ao presente, apresso-me a escutar o alerta daqueles que seguem este processo e, à frente deles, o de Etienne Chouard, o primeiro a sinalizar o risco que representou para as nossas democracias o tratado constitucional europeu (TCE).
Que nos diz ele? Detalhes à parte, o essencial dos aspectos polémicos foram reconduzidos para o tratado simplificado. Nomeadamente nos cinco pontos seguintes (serei sintético, como habitualmente, mas os pormenores poderão ser apreciados na ou no portal do autor):
- O executivo (a Comissão e o Conselho de ministros) dispõe de poderes excessivos, não submetidos ao controlo dos deputados.
- Os juízes europeus são nomeados pelo executivo, o que é contrário ao princípio da separação dos poderes.
- A persistência da perda de soberania monetária (impossibilidade de os estados emitirem moeda, efectiva desde Maastricht, mas crescentemente problemática segundo Chouard).
- A revisão da constituição será feita sem participação popular.
- Irresponsabilidade dos membros do executivo; nem o Conselho europeu, nem o Conselho de miinistros ou o Parlamento são responsáveis perante qualquer autoridade constituida.
É preciso lembrar que a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário é uma condição sine qua non do bom funcionamento democrático assim como a responsabilidade dos representantes de cada um dos poderes face aos restantes. Se o texto proposto po Nicolas Sarkozy e Angela Merckel for adoptado, renunciaremos por algumas dezenas de anos às frágeis conquistas democráticas da nossa própria Constituição.
Dado que, desta vez, estamos dispensados de nos pronunciarmos por meio de referendo, as nossas opiniões enquanto cidadãos de nada valem. Dever-se-á aceitar – sem fazer nada – que seja votado pelos parlamentares aquilo contra o que se levantaram os cidadãos dos países baixos e a França?
Alguns dos que votaram NÃO em 2005 fizeram-no por razões claramente europeístas. Quando nos falam de constituição europeia, isto é, de leis constitucionais supranacionais, devemos ter o cuidado de observar o que elas garantem ou seja, que melhorias trazem aos princípios democráticos já estabalecidos à escala nacional. O Tratado Constitucional Europeu ameaça os princípios democráticos, logo votámos NÃO.
O nosso cuidado é duplamente motivado. Por uma lado, a História mostra que nenhuma democracia está ao abrigo da sua própria destruição e, por outro lado, sabemos que num futuro próximo serão colocadas questões fundamentais para as nossas sociedades ou civilizações ou mesmo a para espécie humana no seu todo. Ignoramos alguns riscos ecológicos, dependerá da vontade política reduzi-los ou não. Também sabemos que as tecnologias biológicas comportam tantos benefícios quanto ameaças, a vontade política é novamente chamada a distingui-las. Finalmente, as nanotecnologias, ainda incipientes, contêm potencialidades de utilização abusiva que são assustadoras e também aqui será necessário um enquadramento político para definir a sua utilização.
Mas como conseguir isto? Há quem, como Anne-Marie Le Pourhiet (na tribuna publicada em Marianne e retomada pelo Contre Info), apele cruamente à insurreição ou, no mínimo, que os parlamentares se reunam em Corte Suprema para deliberar a “fuga do presidente às suas obrigações, cometendo actos manifestamente incompatíveis com o exercício do seu mandato“. Outros pretendem que a oposição cumpra o seu papel, quando é certo que o PS se prepara, na melhor das hipóteses, para se abster.
Eu proponho uma petição, outra petição e mais outra petição, pois apenas podemos contar com isso: a nossa qualidade de cidadãos para conseguirmos ser escutados.
Pouco antes do referendo de 2005 já havia entre nós quem detectasse que tanto o SIM como o NÃO seriam insatisfatórios e, em conformidade, apresentámos uma petição para a eleição de uma assembleia constituinte europeia. Esta exigência mantem-se actual e está aberta aos cidadãos dos 27 países membros, estando agora ao critério de cada um julgar dos seus méritos.
Fonte: David Prud’Homme em
Europe : ne bradons pas NOTRE démocratie !,
publicado por Agora Vox, le média ctoyen em 26 de Outubro de 2007